O renomado Marshall Bruce Mathers III, Eminem para os íntimos, não está na sua fase áurea há muito tempo, e nem mesmo no lançamento do álbum “Recovery” escapou das críticas, não apenas de fãs, mas também de membros da própria comunidade do rap. As “facadas pelas costas” foram diversas: Snoop Dogg, Joe Budden, The Game, todos rappers que já colaboraram com Eminem. Vamos entender nos próximos parágrafos por que o autor de “Stan” perdeu tanto respeito na cena do rap, tanto de artistas quanto de parte do público.
A polêmica entre Snoop e Eminem ocorreu em 2020, quando Snoop afirmou no programa The Breakfast Club que Slim Shady não estava em seu top 10 dos melhores rappers de todos os tempos. “Tem uns caras dos anos 80 com os quais ele não conseguiria competir, como Rakim, Big Daddy Kane, KRS-One, LL Cool J, Ice Cube”, declarou.
Eminem respondeu a Snoop na faixa “Zeus” do álbum “Music to be Murdered By — Side B”, lançado em 2020, aumentando a tensão. No entanto, os dois acabaram se reconciliando e lançaram a colaborativa “From the D 2 the LBC” em 2022. Mas Snoop não foi o único astro do rap a criticar Slim Shady.
Outras críticas surgiram. O rapper e compositor do histórico grupo Grandmaster Flash and the Furious Five, Melle Mel, sugeriu durante uma participação no The Art of Dialogue que Eminem não seria considerado um dos cinco melhores rappers vivos se não fosse branco. Ele referenciou a lista da Billboard chamada “50 Greatest Rappers OF All Time”, na qual Eminem ficou em quinto lugar. Posteriormente, Melle Mel pediu desculpas publicamente pelo que disse.
Em 2019, o rapper Lord Jamar afirmou em uma entrevista ao RapMatic que pessoas negras não ouvem Eminem nas ruas ou em clubes. Essa opinião, talvez devido a uma reação em cadeia gerada pelos comentários de Jamar, começou a ser reproduzida por internautas em redes sociais voltadas ao rap, tanto gringas quanto nacionais. Uma noção cada vez mais comum entre os fãs do gênero é que Eminem rima muito, mas não apresenta conteúdo nos trabalhos recentes. O rapper e personalidade midiática Joe Budden ecoou essa opinião em vídeos online.
The Game também lançou uma diss contra Eminem, chamada “The Black Slim Shady”, em 2022. “Nunca te ouvi em uma boate, nunca te ouvi em um bar / Onze álbuns e dez nunca tocaram no meu carro”, rimou Jayceon “The Game” Taylor.
Enquanto a atitude elogiosa em relação a Eminem era normalizada, nos últimos anos tornou-se comum encontrar mais e mais pessoas dispostas a criticar o músico. Antes de examinarmos os possíveis motivos para essa mudança de percepção, é válido fazer uma breve retrospectiva da carreira de Marshall Mathers.
Auge de Eminem
No final da década de 1990 e início dos anos 2000, Eminem dominou o rap e a música popular como um todo. Ele colaborou com Elton John, trabalhou em faixas póstumas de Notorious B.I.G e 2Pac, ganhou um Oscar de melhor canção original por “Lose Yourself”, vendeu milhões de cópias e alcançou sucesso crítico e comercial com três álbuns: “The Slim Shady LP” (1999), “The Marshall Mathers LP” (2000) e “The Eminem Show” (2002).
Não é à toa que Eminem escreveu em “Walk on Water”, do álbum “Revival” (2017): “houve um tempo em que eu tinha o mundo aos pés, comendo na palma da minha mão”.
O problema chamado drogas
Durante o auge, surgiram problemas com as drogas. Eminem abordou o impacto do vício em sua produção artística nos álbuns. Em sua biografia “The Way I Am”, lançada em 2008, o rapper compartilhou: “como as pessoas sabem, toda a questão das drogas se tornou um problema para mim em determinado momento. Sou grato por ter percebido isso e me colocado no caminho certo, tentando fazer algo a respeito”.
O problema impactou o álbum “Encore” (2004). Em uma resenha publicada em novembro de 2004 no jornal “The Guardian”, Alexis Petridis deu três estrelas ao projeto e escreveu: “por que Eminem está fazendo piadas? Talvez ele esteja sem coisas para reclamar a respeito”. “Encore” foi o primeiro disco, depois da trilogia anterior, que recebeu opiniões divididas e uma apreciação menos fervorosa.
Após o lançamento de um projeto que não conseguiu superar ou se equiparar ao famoso “The Eminem Show”, o rapper se afastou do mundo da música e não lançou outro álbum de estúdio por quase cinco anos.
Queda da preferência popular
Os próximos CDs, “Relapse” (2009), “Recovery” (2010) e “The Marshall Mathers LP 2” (2013), têm reputação mista entre os fãs. Mas o primeiro álbum do artista que recebeu críticas negativas de uma grande parcela de críticos e público foi “Revival”. Produtores de conteúdo focado em música reagiram de forma avassaladora.
Shawn Cee, dono de um canal no YouTube com pelo menos 890 mil inscritos, comentou sobre “Revival”: “ele está preso em 2007, 2008, 2009. A música que ele tem lançado provavelmente caberia naquele tempo, mas agora, em 2017, nós temos vários artistas falando sobre política, abuso e sobre as situações que Eminem está falando a respeito. Eles o estão fazendo de maneiras muito mais criativas, sagazes, dinâmicas e poderosas”.
A avalanche de críticas foi tão intensa que Eminem lançou “Kamikaze” (2018) em resposta, um álbum dedicado principalmente a rebater as avaliações recebidas pelo disco de 2017. O crítico de música popular Anthony Fantano, em suas resenhas, deu nota sete para “The Marshall Mathers LP 2”, mas a sequência mostrou um declínio. “Revival” recebeu nota dois; “Kamikaze”, quatro; “Music to Be Murdered By”, cinco; e “Music to Be Murdered By — Side B”, três.
A crítica recorrente à recente produtividade de Eminem é a de que, em vez de ser visto como um artista de excelência técnica, ele ganhou a fama de ser um rapper capaz de trabalhar rimas, flows e wordplay muito complexos, mas destituídos de desenvolvimento temático relevante. Outra crítica comum refere-se ao uso frequente que Marshall tem feito da técnica speedflow, que consiste em utilizar um flow de altíssima velocidade.
Desde o lançamento do single “Rap God”, que alcançou 1,3 bilhão de visualizações no YouTube, Eminem tem utilizado speedflow em inúmeras faixas de seus próprios álbuns e em colaborações em projetos de outros artistas, como “Majesty” (com Nicki Minaj), “Offended”, “Godzilla” (com Juice WRLD) e o remix de “Killer” (com Jack Harlow e Cordae).
A fusão da recorrência do speedflow com pouca substância temática parece ter aumentado a impressão popular de que Eminem perdeu o toque que o fez ser tão celebrado em décadas anteriores. Segundo Fantano, o rapper não tem se concentrado em criar músicas que funcionem como faixas, referindo-se a um foco excessivo de Eminem em mostrar proficiência técnica nas faixas.
Quanto ao futuro, é difícil prever o teor dos próximos álbuns do ícone de Detroit. Eminem demonstrou, em inúmeras faixas dos projetos recentes, que consegue trabalhar música, conteúdo e técnica em equilíbrio, assim como na década de 1990 ou 2000. Existem exemplos claros, como “Castle”, “Lucky You” e “Darkness”. A diss feita para Machine Gun Kelly, “Killshot”, mostrou como Marshall pode soar mais interessante atualmente, quando utiliza um flow mais lento.
Se Eminem trouxer álbuns cujo foco seja a construção de uma obra equilibrada (e não um projeto centrado em extensas demonstrações de proezas técnicas, com temas repetitivos ou mal trabalhados), certamente teremos discos de qualidade.
O trabalho do rapper impactou milhões de indivíduos e faz parte da trilha sonora da vida de pessoas ao redor do globo. Eminem possui uma fanbase fiel e apreciadores genuínos. O respeito que ele tem do público geral e até de comentaristas que o criticam é visível. A extensão da apreciação da qual ele goza é rara.
A intenção destes parágrafos não foi diminuir o valor da discografia do rapper ou afirmar que ele não é mais amplamente respeitado por fãs e artistas, mas sim entender os prováveis motivos por trás da onda de críticas que Marshall tem enfrentado.
Independentemente das opiniões alheias, Eminem continuará sendo um dos artistas mais importantes na vida de milhões de pessoas ao redor do mundo e um marco na história da música popular.
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